sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Confissão

Eu não tenho amor-próprio.

Camafeu

Foi assim com uma certeza inebriante e tal delicadeza, que dele meu caminho se fez, e o que era simples e deveras ilusão acabou-se por fim num majestoso toque de ternura e uma flechada na contramão.

Nelson Rodrigues

A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Feito água

A gota rolou pelo telhado, percorreu a clarabóia, chegou no catavento, voou pelo gramado, caiu bem no olho da menina tentando ver qual era o número do ônibus passante. Perdeu a hora, chegou atrasada na entrevista, afobada, derramou café em sua roupa clara, caiu na gargalhada, nervosa. Foi pra casa frustrada, perdeu o dinheiro e o livro favorito no caminho, a chuva resolveu chover e ela caiu em prantos, gota a gota no mar de possibilidades.

Coexistência

Eu sou a hipocrisia, linda e perversa, cheia de poções a envenenar meu próprio ventre enquanto a mão sadia enxuga as lágrimas de pedra que um dia te serviram de abrigo.

Eu sou a falsidade que impera sem rumo ou condição, seguindo à tua frente sem medo do perdão e do amor que um dia eu nunca senti.

Eu sou o que me leva e o que ficou e tudo que não mais será, a partir do momento que passei pela porta e te vi encostado na parede como Cristo.

Tu tinhas uma adaga no coração e era o espelho de mim mesma.

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Universo

Se tu não me queres, não tem querer, que eu fico só com meu mal-me-quer, no meu canto de mulher, com um algo assim e um quase nada que são tudo.

Se tu não me queres, meu bem querer, quero estar onde eu quiser, quando a hora bate e o fio se ilumina e tudo isso é praticamente nada.

Se tu não me queres, sei quem quer, e não me importa que mil raios partam, porque o querer vai muito além do bem e do mal e só pára por aqui quando a gente quer.

Se tu não me queres, olho nos teus olhos profundos de querer bem quando dizes mal, sofro até não querer mais saber de tudo, de nada, do que quero, para aceitar o destino que quiser aparecer na minha frente quando eu menos esperar e você menos me buscar.

Se tu não me queres, que seja assim na alegria e na tristeza, antes que a morte nos separe por besteiras que um dia tu não quiseste ouvir, eu não quis dizer, nós deixamos de sentir o silêncio que queria crescer entre o mundo e tudo mais.

Se tu não me queres, eu não te quero, não há o que querer quando não se tem nada.