quarta-feira, 21 de junho de 2006

O velho mas APAIXONANTE eterno Chico!

Ricardo Calil escreveu isso e achei simplesmente sensacional.
Principalmente quando arremata o texto com a última frase fatídica.

O velho Chico

Em meio à enxurrada de lançamentos relacionados a Chico Buarque, um passou quase despercebido: o DVD "Desconstrução", de Bruno Natal, que acompanha o CD "Carioca" em sua edição especial. Trata-se de uma pequena injustiça, porque o documentário registra um fenômeno que nenhum outro produto conseguiu captar: o envelhecimento de Chico. Não de sua obra. Do sujeito mesmo.

"Desconstrução" deveria apenas documentar o processo de gravação de "Carioca". Mas virou o retrato de um artista quando não tão jovem. O fato de Chico ter se tornado um senhor não deveria ser novidade para ninguém. Afinal, ele irá completar 62 anos no próximo dia 19. Ainda assim, as imagens do DVD surpreendem, porque mostram uma imagem do compositor muito diferente da que estamos acostumados a ver.

A série de 12 programas dirigidos por Roberto de Oliveira para o Multishow capta diversas facetas de um herói: o Chico das mulheres, do futebol, da política, que passeia garbosamente pelas capitais européias, que ganha todas no futebol , que discorre fluentemente sobre literatura. Já "Carioca" mostra o compositor em plena forma, ainda que inspirado por um certo saudosismo musical.

Em "Desconstrução", temos um Chico inédito, que não consegue abrir emails, que não sabe explicar para que serve um DJ, que faz piada de pinto como Vinicius de Moraes, que brinca com os netos e demora para lembrar de certas palavras. Não é que o tempo dele passou. Longe disso. Mas o tempo passou para ele. Como para todos nós. Mas não havíamos percebido que isso também podia acontecer com o Chico.

O documentário traz alguns belos momentos de cinema. Como a cena em que o baixista Jorge Helder praticamente tem um colapso nervoso ao descobrir que Chico fez letra para uma de suas músicas. Ou quando o cantor tira da cartola uma antiga fita cassete com o registro de um ensaio que fez com Tom Jobim para a música "Imagina". O DVD também revela ao público a genialidade de alguns fiéis escudeiros de Chico, como o produtor e arranjador Luiz Cláudio Ramos e o baterista Wilson das Neves.

Mas o tema oculto de "Desconstrução" é mesmo a passagem do tempo. Isso fica evidente no final do filme, quando o diretor pergunta a Chico, com uma inconveniência corajosa, algo como: "Quantos CDs como esse você ainda tem dentro de si?" E o compositor responde surpreso: "Sei lá. Meio, um… Isso é pergunta que se faça?"

Para quem viu há pouco tempo o documentário "Raízes do Brasil", sobre Sérgio Buarque de Hollanda, "Desconstrução" deixa a impressão de que Chico está cada vez mais parecido com o pai. Claro, ele continua mais bonito e esbelto que o grande sociólogo nessa mesma idade. Mas está com aquele mesmo ar entre o ensimesmado e o bonachão (taí um adjetivo que nunca foi usado para o Chico). Ele demonstra um relaxamento diante da câmera e um conforto consigo mesmo que só o tempo traz – e que ajuda a explicar a maratona de entrevistas concedidas nos últimos meses.

Aos 62 anos, Chico Buarque finalmente virou um tiozinho – o que não é nenhum demérito, visto que os reles mortais costumam alcançar essa condição 20 anos antes. Agora, a MPB também tem seu "old blue eyes". Para milhões de homens brasileiros, essa constatação virá como um alívio. Chico é um fantasma que assombra gerações de heterossexuais com sua fama de bom moço, de homem dos sonhos, de genro ideal.

Por mais que nos esforçássemos, havia sempre alguém com olhos mais bonitos, com um jeito mais charmoso de cantar desafinado, com posições políticas mais coerentes, que jogava bola e escrevia melhor. Na verdade, as coisas continuam exatamente iguais. Mas é um consolo pensar que ele está um pouco cansado, que tem outras prioridades, que está noutra, enfim. Só para ter esse gostinho, vale a pena gastar uns trocados a mais para levar o DVD.

Ou talvez tudo não passe de pensamento positivo. Puro despeito, quem sabe. Como vizinho de rua do sujeito, tenho que admitir que ele continua caminhando rápido à beça. E não faz tanto assim que ele foi fotografado tomando banho com a mulher do próximo no Leblon. Outro dia, rolou até um boato que ele conseguia acertar o travessão três vezes sem deixar a bola cair – e sem recorrer a nenhum truque de computador, como o Ronaldinho Gaúcho no comercial da Nike.

Acho que Chico só vai deixar de ser esse competidor silencioso e invisível na próxima geração. Já vislumbro o dia em que meu futuro filho – se for homem, ele se chamará Francisco, mas por outras razões – vai chorar no meu ombro suas dores de amores e eu o consolarei dizendo: "Podia ser pior, filho. Você não sabe como eram as coisas no tempo do Chico Buarque." No fundo, será uma pena para ele não saber. Quem nunca teve uma mulher apaixonada pelo Chico não sabe o que é o amor.

(publicado no site NoMinimo em 7 de junho de 2006)