quinta-feira, 20 de julho de 2006

Bruno Nogueira

Bruno Nogueira, 24 anos, três anos de profissão. Trabalha na Folha de Pernambuco. Já foi do Jornal do Commercio e tem uma coluna no Giro Cultural (www.girocultural.com). Também colabora para as revistas Galpão do Rock e a revista Coquetel Molotov.
Há algumas semanas atrás, o nome Bruno Nogueira ganhou tremenda repercussão. Tudo por causa da crítica ferrenha que ele fez para o novo disco do Eddie.
Essa entrevista foi concebida via Msn.

China: Como é o esquema de um jornal, cara? O lance de prazo para entrega de matéria é muito curto, né? Tem um tempo de quanto tempo para se fazer uma matéria? E se ela não tiver pronta, como fica?

Bruno Nogueira: O esquema: toda segunda-feira a gente tem uma reunião. A gente discute o que teve de errado e certo na semana anterior, como melhorar etc. Depois, cada repórter traz suas pautas para o editor, que decide quais vão sair e em que dia. Às vezes o editor traz pautas também.... Num caderno de cultura a gente tem bem mais tempo que o resto do jornal, pq a gente sabe com mais antecedência quando as coisas
vão acontecer. Apesar disso, ainda é apertado, porque são muitas matérias. A gente tem até 13h pra entregar a matéria do dia seguinte. Se não tiver pronta, o jornal leva furo e o repórter leva bronca para casa...
(e pro recursos humanos)

C: Mas se a matéria não tiver pronta, vocês inventam ou deixam isso para o editor? hahahahahaahahaha...

B.N: Não dá para inventar. Os concorrentes vão dá a mesma matéria, é muito óbvio ver quando o cara inventou. Se não tiver pronta, tem duas opções. Uma é sair com pouca informação (para não perder de ter dado o assunto) ou apenas não dá a matéria... Algumas deixam para dar depois. Tenho uma que já está se esticando há três semanas, por sinal.

C: O que tu acha dos jornais de recife? Falando francamente: são bons jornais? A minha impressão é que são jornais feitos para uma cultura mediana.

B.N: Francamente? Os jornais do Recife são os melhores do Nordeste. Se você ver em Natal, eles tem dois jornais onde o caderno de cultura é ocupado 80% com coluna social. Além de relações estranhas (os editores do caderno de cada jornal são casados, por exemplo). Há pouco tempo, esteve aqui na cidade um cara q é doutor em jornalismo lá de salvador e ele ficou espantado como a diferença de qualidade é grande.
O Jornal do Commercio é uma referência nacional... Bate em qualidade muitas das principais capitais do país. A equipe fatura prêmios toda semana. Isso força uma concorrência saudável com os outros dois, que precisam melhorar para poder vender... Mas o caso é que o jornalismo no brasil todo é muito pobre. O do recife não é diferente. São jornais bons, mas nesse contexto pobre.

C: Mas em compensação, o jornal do commercio tem o rabo preso, e não podem falar de certas pessoas ou de certas negociatas que envolvem as instituições que botam dinheiro no jornal. Falando nisso...Tu acha que o jornalismo no Brasil tem o rabo preso?

B.N: Tem sim, claro. São empresas como outra qualquer. E toda empresa tem o rabo preso. No Sudeste isso é menos hipócrita. A folha de São Paulo, em época de eleição, sempre bota um edital “estamos apoiando candidato X ou Y”. Isso na verdade até aproxima mais o leitor, mas aqui não existe essa visão... Fora que os jornais daqui são parte de grandes empresas. O JC não vai falar mal dos shoppings, porque é do mesmo dono. A folha e o diário também fazem parte de um grupo de empresas. Mas...aliás, nada... é só isso mesmo. Eu ia me repetir.

C: hahahahaahahahaaha
Tu é repórter ou também trabalha como critico musical? Que palavra escrota essa...”Crítico musical”. Ahahahahahahahaha.

B.N: Na verdade, minha função principal é crítica musical. Eu não tenho que fazer reportagens sobre nenhum outro assunto (a não ser que eu queira). Preciso fazer reportagens sobre música, mas acho que isso faz parte do trabalho do crítico. Como a que fiz dos shows na livraria cultura ou sobre o cara que criou um suporte especial chamado Massa, para facilitar tocar pandeiro, etc...

C: Você não acha que é uma palavra muito forte não? "critico musical". Imagina-se um cara que já ouviu tudo o que há de som no mundo...Não é meio arriscado ter essa alcunha para um jornalista iniciante?

B.N: Não acho. O trabalho do crítico não é ouvir todo som que há no mundo. É ter senso crítico, observar o objeto cultural e extrair sentido dele. E isso você começa a construir bem antes de ser jornalista. Meu pai é cantor e foi gerente de rádio a vida toda. Nasci e cresci ouvindo música, entre músicos, repórteres e representantes de gravadora, rádio, etc. Um jornal não escolhe um crítico de maneira aleatória. Além de toda essa pré-formação (conheço Teles desde os 11 anos, antes disso, Roger vivia aqui em casa trazendo disco pro meu pai tocar na Caetés), eu corro atrás também. Terminei uma pós-graduação agora sobre crítica cultural e tô começando (amanhã!) o mestrado na ufpe em crítica de música. Estrada conta, mas não é o que define um crítico. É a vivência dele, e nesse sentido, não acho a palavra forte.

C: Não acho José Teles (Crítico musical do Jornal do Commercio) um bom crítico. Acho que ele parou no tempo. Das bandas antigas ele conhece muito, tem propriedade...mas das coisas de agora, eu sinto nele um certo desinteresse (acho que é por isso que ele escreve errado os nomes das bandas, das músicas) pelas coisas atuais. Enfim...posso estar enganado, mas não gosto do que ele escreve na função de jornalista.

B.N: E isso prova que ter muito tempo de estrada não é suficiente para fazer o crítico. Teles é uma referência nacional pelo que ele fez. Hoje, ele não esconde que está cansado. Porque é uma rotina que ele já vive há mais de 30 anos.
Quando disse aquilo de Teles e Roger, quis dizer que desde que era pirralha, eu trocava idéia de música com essas pessoas, que são hoje os principais formadores de opinião da cidade... Roger nem deve lembrar mais disso.

C: Você gosta do que Teles escreve?

B.N: Eu gosto do que ele escreve sobre alguns assuntos... Não acho que nenhum crítico seja bom escrevendo sobre tudo. E nesse ponto o jornalismo cultural daqui é fraco. No jornal Le Monde, da França, tem seis pessoas só escrevendo sobre música. Cada um numa área diferente. Gosto do que Teles escreve sobre música antiga... e ele também foi o primeiro crítico q eu pensei que não sabia de nada, quando ele disse que Eddie Vader desafinava...numa época q eu adorava o Pearl Jam. Mas o cara é uma enciclopédia ambulante. Você diz um nome e ele passa o resto do dia te dando referências de todas as pessoas que escrevem aqui na cidade. Eu sou fã mesmo é de Renato L!

C: Uma vez li uma crítica do cara do recife rock (www.reciferock.com.br) sobre desafinação. Eu acho da afinação o seguinte: não é fundamental! O funk carioca e o punk, tão aí pra comprovar isso. Acho que show é um lance de carisma, de sinergia...

B.N: Eu não acho que o crítico deve observar essas coisas. Desafinar, hoje em dia, já é estratégia de comunicação. Quem tem que observar essas coisas é o produtor musical, e muitos críticos se confundem com essa função.

C: Falou bonito...

B.N: Dizem que crítico é músico frustrado. Eu digo que crítico é produtor frustrado.

C: Rapaz...tu sabe que eu nunca tinha olhado por esse lado. É verdade!

B.N: hehehe

C: O que tu gosta de ouvir?

B.N: Minha banda favorita é o Ramones. Mas acho que o Ramones e o Bad Religion são hoje as bandas que menos escuto. Hoje eu gosto muito dessas novas bandas de rock, tipo Strokes, Interpol, etc. Esse som feito de 2001 pra cá.
É difícil criar gosto constante quando eu tenho que ouvir tantos cds por dia. Sexta-feira eu recebi cinco, ainda nem ouvi todos direito.

C: E de Recife, tu gosta de que?

B.N: Pra mim, o melhor daqui, disparado e sem discussão é Junio Barreto.
Comprei o cd dele na loja sem nem perguntar o preço. só comecei a gostar de Nação depois do Futura, o disco novo. Das bandas novas, eu gosto muito da Volver, da Carfax e do Playboys.
Apesar da controvérsia, gosto do Eddie, especialmente o primeiro disco. Queria que eles tivessem continuado tocando rock. Mas meu ponto fraco é Otto. Todo mundo tira onda porque eu gosto da música dele. Não gosto das músicas do Bonsucesso, nem daquelas Barbis.

C: Eu gosto de Otto...mas já que você falou no Eddie...
Tu ganhou uma notoriedade de umas semanas pra cá por causa da matéria que você fez sobre o novo disco deles, o Metropolitano. Foi crítica ou reportagem?

B.N: Crítica. Reportagem tem personagens, entrevista, fontes, etc. Crítica é somente eu. Meu espaço no jornal é pequeno, menor que o dos meus concorrentes. Sempre que eu precisar optar entre dá crítica ou reportagem, vou dar a crítica. Porque nas reportagens só faz se repetir o que o outro já disse.

C: Você acredita nessa coisa que dizem, que para o jornalista ser famoso, ele precisa ser polêmico? Você tem noção de que aquela crítica foi polêmica, né?!

B.N: isso não é uma coisa que dizem...é um fato. O crítico de música mais famoso do mundo, o finado Lester Bangs, ficou famoso por ser polêmico. Numa entrevista clássica, ele gasta quatro páginas somente xingando Lou Reed. Aqui no Brasil, é o caso do Finatti... Se eu escrever o melhor texto da minha vida falando bem do seu trabalho, ninguém vai comentar. Se eu escrever meia linha falando "china é feio”, vai ser o assunto da semana.
Tenho idéia da polêmica sim...tive enquanto ainda estava pensando no que ia escrever.

C: Você escreveria a mesma crítica de novo? Não acha que pegou um pouco pesado?

B.N: Acho que mudaria pouca coisa. Não acho que peguei pesado. Escrevo daquele jeito...só foi notado porque foi com uma banda da cena. Mas eu peguei pesado de verdade com bandas de forró, de brega, com os shows de verão. Existe um vício de promiscuidade entre quem está no jornal e quem está do outro lado. Tenho um amigo que trabalha em outro jornal que já disse "não falo mal de banda porque dá confusão".

C: Não acho que seja por aí. Acho que o jornalista tem que escrever sim, mas dentro de uma coisa aceitável. Eu achei que tu pegou pesado.
Mas enfim...se tu recebesse um i pod com as musicas do Eddie, tu falaria bem do disco?

B.N: Eu já recebi passagem de avião, hospedagem, refeição e transporte (isso tudo é o dobro do preço do ipod) e falei mal de um show que foi realmente ruim.
Peguei pesado no que, especificamente?

C: Respondendo a sua pergunta, acho que foi um pouco preconceituosa com quem é de Olinda.

B.N: Se for minha opinião, eu não vou mudar.

C: Acho que deve ser por aí. Mas vem cá: o cara que abre o jornal...ele quer a informação ou sua opinião? Já pensasse nisso?

B.N: Já sim, eu estudo isso há sete anos. E ele quer opinião.

C: Eu sei. Fomos amigos de faculdade...hehehehehe...

B.N: A informação: o disco do Otto foi lançado, ele vai ter em qualquer lugar. Hoje em dia existe uma explosão de blogs, não apenas porque as pessoas querem dar opinião, mas porque tem muitas querendo ler também. O leitor quer se identificar, encontrar alguém que comunique o que ele pensa. Você ia ficar espantado com a quantidade de emails e pessoas que concordaram com o que eu escrevi sobre o novo disco do Eddie

C: Imagino...

B.N: Sobre isso... Na época, eu fiquei com medo. Eu cheguei a ser ameaçado de morte por uma pessoa que trabalha com a banda. Minha chefe chegou a insistir que eu entrasse com um processo. Passado esse exagero, eu fiquei muito feliz com a maneira como as pessoas voltaram a debater música. Nos bares, em casa, na internet. Parece que isso tinha morrido na cidade. Fico espantado como existem debates e palestras sobre cinema aqui, enquanto ninguém produz cinema de verdade. Por outro lado, tem uma porrada de banda e festival, mas ninguém tá discutindo música. De repente descobri que as pessoas estavam debatendo essas coisas. Do valor da crítica, do valor do disco, da relação das bandas com público e cidade.

C: Você foi ameaçado de morte? Como foi isso? Que louco, cara...

B.N: Foi pelos comentários do site da folha. Um cara deixou um “cuidado por onde você anda, se eu fosse você não entraria em Olinda, quero falar com você”. Mandei um email pro cara e, no meio da conversa, ele disse que trabalhava com a banda. Enfim, a história se resolveu já.

C: Nem dá para acreditar...hahahahahahahha. Na hora deve dar um puta medo, mas depois deve ser muito boa a sensação. “Porra, fui jurado de morte por causa de uma matéria”. Mas você conversou com Fabinho Trummer depois disso, né?!

B.N: Eu fiquei preocupado porque no fim de semana seguinte tinha um show do Eddie e eu ia precisar estar lá...e ainda tava no calor das coisas.
Conversei com Fabinho e com Léo, o produtor. Na verdade, fui conversar com eles porque vieram fazer fofoca, dizendo que eles estavam espalhando que eu levei uma gaia. Recife é foda por isso. E essas coisas se espalham. Se isso chegasse no jornal ia ser pior pra mim que pra eles. Então precisei conversar para ver qual era. Não foi para justificar o que eu escrevi.

C: Na verdade esse papo de gaia sempre rola. Quando alguém fala mal do outro em jornal e tal...nego costuma dizer..."ah...isso foi por causa da gaia que eu botei nele e tal..." mas não passa de conversa mole.

B.N: O que é foda é você misturar uma coisa profissional com pessoal
As bandas aqui estão muito mal acostumadas a serem babadas nos jornais. Fabinho chegou a me dizer que quem lesse a Folha PE agora, não ia comprar o cd. Isso não acontece. A crítica não tem esse poder.

C: É, isso não acontece. Ninguém deixa de comprar cd porque leu uma crítica ruim no jornal. Até porque nego não consegue ouvir o disco pelo jornal.
B.N: Queria eu ter esse poder!

C: Bruno, acho que é isso. Valeu mesmo, cara.
Tem algo que tu queria dizer além dessas declarações?

B.N: Hum...

C: Algum conselho para os jornalistas que virão, talvez...

B.N: Tem. Eu montei um site tá fazendo um mês. Lá tem todos os meus textos que são publicados no jornal, nas colunas e outros. Quem quiser ler, o endereço é: www.popup.mus.br

C: A galera acha o texto sobre o Eddie lá?

B.N: Acha sim.
O conselho pra quem quer escrever sobre música, é ouvir muita música. Desesperadamente, como se sua vida dependesse disso.

C: E depende, né?

B.N: Exato!


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Fonte: Comunidade Que conversa é essa?! do China em 10.3.2006.