quinta-feira, 20 de julho de 2006

Entrevista com o China: "Diploma de jornalismo não é preciso, basta você ter um texto bom"

Com 26 anos ele tem mais experiência que muitos artistas mais velhos. Ele canta, dança e representa. Além de ter um programa de TV que exibe clipes e entrevistas que mais parecem conversas entre amigos. Seu primeiro cd “Um só” apresenta letras que casam perfeitamente com as melodias. Aqueles que gostam de boa música estão no aguardo do segundo álbum que deve sair em breve. O nome dele é Flávio Augusto, mas podem chamá-lo de China.

O músico foi entrevistado pelo Dilúvio numa dessas tardes em Recife na rua da Aurora em seu local de trabalho, que mais parece uma daquelas casas no alto de Olinda. Para você, caro leitor, que nunca teve a oportunidade de conhecer essa cidade localizada em Pernambuco, eu explico: você entra e não quer mais ir embora, mais ou menos por aí.

Sempre muito simpático nos recebeu com um sorriso e, ao subirmos as escadas para chegar ao local onde seria a entrevista, nos deparamos com Marcelo Machado (guitarrista da banda Mombojó) tocando enquanto os acordes eram gravados para o novo cd de China. No ambiente encontrava-se uma geladeira, um colchão no chão, uma bateria, além da parafernália necessária para se fazer gravações.

China sentou-se no chão, assim como a repórter que vos fala (tão à vontade que tirou os sapatos). Entre cigarros, risadas e um flash e outro de Fabianne L’amour, teve início o bate-papo.

Você tem nove anos de carreira. Pra um moleque com 26 anos isso é muito. Ainda mais porque já trabalhou demais e realizou inúmeras coisas. Se fosse fazer um balanço da carreira, do que você se arrepende?

Nada. Porque até as coisas que você erra, você tá acertando, entendeu? É preciso ter o erro. Então eu não me arrependo de nada. Comecei na banda que eu queria começar. A banda que eu comecei minha carreira foi a banda que me projetou, sabe? As coisas que eu faço hoje em dia também são a soma disso tudo que já passou na minha vida. De todas as coisas que eu acertei e que eu errei. Eu acho que a única coisa que eu me arrependo foi ter feito alguns contratos que eu não deveria ter feito com gravadoras.

Antes você era o China do Sheik Tosado. Agora você é o China. Cantor solo e vocalista da Del Rey. Qual desses Chinas você gosta mais? Digamos musicalmente falando, você sente saudade daquela época em que tinha um som mais pesado?

Não. Saudade eu não sinto porque eu cresci. Ninguém agüenta ficar tocando hard core a vida toda. Foi massa, era coisa de moleque, atitude, mas eu cresci. Conhecer os meninos do Mombojó foi um salto gigante pra mim em termos de sonoridade, de composição, de tudo. A gente começou a ter banda e a compor juntos. Eu me acostumei a trabalhar do jeito que os caras trabalham, que é uma forma louca, desordenada, mas que funciona no final. Sem ter essa preocupação como no Sheik que a gente ensaiava todo dia. De segunda a sexta. Não tem banda que agüente ensaiar todo dia, sacou? E eu ainda sou um pouco mais maleável. Não sei qual o China que eu gosto mais. Eu gosto do China... China. Desde que nasceu. (risos)






O Del Rey é uma homenagem ao Rei Roberto Carlos. Uma brincadeira com os meninos do Mombojó. Uma brincadeira que deu certo. Eu já li que vocês não pensam em gravar e tal. Mas e o projeto? Vai levando por tempo indeterminado ou vocês já pensaram em parar?

O Del Rey vai dar uma parada agora porque eu começo a gravar o disco e os meninos viajam em turnê, então, a gente pára sem previsão de volta. Até porque é uma brincadeira, ninguém quer ficar rico às custas do Del Rey. Ninguém quer largar os projetos pra fazer o Del Rey. Ninguém quer ser Roberto Carlos, entendeu? O Del Rey é uma brincadeira e vai continuar sendo. É bom assim porque a gente acaba dando um tempo também pra gente criar outras coisas. E aí volta e é uma alegria. Tocar com os caras é a maior alegria. Eu acho que é recíproco também. É massa, a gente se curte no palco. É engraçado. Eu acho que o Del Rey tem que ser uma banda assim. De curtição, saca? E não fazer desse projeto um projeto assim de frente porque vai acabar sendo uma merda, entendeu? Então é melhor que seja assim, na brincadeira.

Você gravou o “Um Só” tem um tempo já. É um cd com músicas e letras muito legais. Como você compõe?

Eu componho toda hora. Escrevo toda madrugada. É que eu tenho insônia, aí eu fico acordado até as seis da manhã. Todas as televisões saem do ar e só ficam o papel e a caneta, então eu fico escrevendo. Eu componho assim: primeiro eu faço o poema e depois eu faço a música. Ou ao contrário. Depois que eu conheci os meninos (do Mombojó) mudou um pouco. Na época do Sheik eu escrevia em terceira pessoa, hoje em dia eu escrevo tudo em primeira pessoa, sabe? Uma coisa mais pós-moderna, mais confessional mesmo assim. Mas não tem uma ordem lógica, sabe? Às vezes eu escrevo, às vezes eu faço um arranjo. Mas eu curto mesmo fazer o poema.

Quando eu cheguei você disse que tava gravando o segundo cd aqui nessa espécie de estúdio que você tem. Como é que ta sendo a gravação e a produção?

Pô, tá massa. Segundo a galera, eu consegui juntar todas as joinhas da cidade. Marcelo Machado e Chiquinho (Mombojó) tão gravando, o meu irmão que tocava comigo no Sheik tá gravando, o baterista do Bonsucesso, Pupillo também vai fazer umas coisas. O disco vai sair pelo Candieiro, que é o selo que lançou Erasto (Vasconcelos). Tá bacana assim, velho. Bacana porque é só amigo, então nêgo não é músico de estúdio, aquele cara que você tem que pagar pra ele fazer bonito. Não. Os caras tão na brodagem e a grana que entrar a gente a gente rateia, entendeu? É meio esse esquema que eu funciono hoje em dia. Tanto no meu trampo como nas gravações.

E a H.Stern Band? Como é esse esquema?

Esse projeto eu comecei no Rio de Janeiro com meu disco solo (Um só). Eu fui morar lá, aí montei uma banda, com uma galera. Quando voltei pra Recife, eu disse: “Ah, vou montar uma banda aqui. Meu som tem que tocar”. Aí chamei Rafa, Ximaru, que tocava comigo no Sheik, e chamei pro teclado Pierre, Chiquinho toca de vez em quando, Marcelo Machado também toca de vez em quando, quando tá por aqui. É uma banda meio que mutante, não tem uma formação específica. É sempre quem tá ali. Os amigos que tão querendo dar uma força chegam: “estamos querendo tocar”, é meio um lance de H.Stern mesmo, você pega só as vitrines de cada banda e bota na minha (risos).

Você apresenta um programa de tv junto com Fábio Trummer. Como foi que apareceu a oportunidade de ter um programa de tv? E as idéias são sempre suas e de Trummer, tipo o clipe que vai passar, sobre o que vocês vão falar... Vocês seguem um roteiro ou é improviso?

Não tem muita ordem porque a gente não sabe fazer. Eu nunca tive experiência com tv, nem Fabinho. Na verdade eu fui a segunda opção porque era pra ser só ele. Só que aí ele disse que não queria porque ia ficar ruim com a carreira e aí Felipe me chamou e eu disse: “Ó, por que não faz eu e Fabinho? Porque enquanto um viaja, o outro fica e faz um esquema”. A gente vai mexendo no que a gente quer. A idéia do programa é ser meio um bate-papo em sala de amigo, saca? A idéia que a gente tenta passar é pé em cima da mesa, e sem se preocupar se tá falando gíria ou não. Pergunta o que você sabe que o cara vai ficar meio assim pra responder, mas ele vai acabar respondendo, porque o cara é seu amigo, entendeu? Então é um papo informal. Na verdade, é como se estivesse na sala da casa de Chiquinho, ou na sala da minha casa, ouvindo um som e conversando. Já que é também um lance que foge do padrão MTV, mesmo sendo um programa de clipe, a gente queria fugir desse padrão. Então virou mais um bate-papo e os clipes colorem programa.

Você escreveu uma matéria para a revista de Lobão e parece ter uma certa vontade de ser jornalista, mas largou o curso. Você acha que o diploma de jornalismo é importante?

Não. Precisa não. Porque basta você ter um texto bom, entendeu? Um texto bom e boas idéias. É legal você saber sobre lead, suíte, essas coisas todas, mas isso não é determinante, tá ligado? Pra um jornalista. Não é nem um pouco assim. Tem tanto cara aí que se formou e escreve mal pra cassete saca? Então eu acho que é tranqüilo, só ter um texto bom, ter boas idéias, saber o que você tá falando, procurar estudar aquilo. Jornalista não procura, não estuda, não lê release... Nada. Então como ele ia escrever? Eu não sou jornalista, então me sinto na obrigação de ler, de ir a site, de caçar notícias dos caras, pra poder fazer as coisas. E a revista do Lobão, eu fiz uma matéria que foi sobre o disco do Mombojó. Eu escrevia mais pra revista Simples, que é uma revista de São Paulo e agora eu tô com uma comunidade no orkut de entrevista que é tipo curtição mesmo. Eu faço entrevista por msn e email. Mais msn, porque tem aquela parada de que você não tem vergonha quando tá no msn, já que não está vendo a pessoa. Então você acaba escrevendo qualquer coisa e se a pessoa se ofender você diz: “Não, tô brincando”. E passou. É isso que é a parada. Eu boto pra fuder lá e o cara acaba entregando o que eu quero, tá ligado? E fudeu. Escreveu ali, fudeu. O cara copiou, colou, acabou. Aí funciona assim lá.

Você usa muito a web. Em suas comunidades no orkut, você sempre comenta, tem uma comunidade de entrevistas que são feitas pelo msn, no seu site as pessoas podem acompanhar sua vida profissional e tal... Todo mundo sabe e comenta o tanto que a internet é um espaço livre e ajuda muitos músicos. Ela te ajuda também a divulgar o seu trabalho e você a utiliza de forma muito eficiente, não é mesmo?

O meu msn é meu gerente de marketing. Pra banda independente é um gerente de marketing. Manda música pra todo mundo, divulga pra todo mundo. Tipo, eu tenho dois orkuts, porque um encheu. São mil e quatrocentas pessoas. Eu mando um email falando de um show pra mil e quatrocentas pessoas. Tem o lado babaca do orkut, que eu também participo, lógico, você não tem como fugir disso. Mas é um lance muito bom. Internet é foda. Pra quem não tem gravadora e um esquema de mídia forte, é o grande lance, saca? Os meninos do Mombojó lançaram o disco na Internet, nêgo baixava o disco e ia comprar na loja, saca? Então não fere o bolso do artista, o mercado e essas coisas.

E a imprensa pernambucana? Você acha que nos cadernos culturais rolam sempre as matérias sobre as mesmas bandas e tal... Como você vê isso? Porque tem muita gente boa que não sai nos jornais daqui.

Eu acho muito ruins os cadernos de cultura do Recife. Há uma falta gigante de críticos de música. Há uma falta de gente nova também no jornal. Tem muito cara velho escrevendo besteira, sabe? Escrevendo o que ele acha. O que ele acha já tá ultrapassado, tá ligado? Já tem uma galera nova fazendo. Eu acho fraco. Muito fraco o esquema de jornal. Curto muito o que Renato L. escreve, o que Marcos Toledo escreve, pra mim são grandes jornalistas, são sinceros nas opiniões. Uma vez eu dei uma entrevista prum cara, daí acabou o show e o cara chegou... Aí ele chegou e “Porra, puta show. Du caralho”. Aí na segunda no jornal o cara detonou o show. Caralho, esse cara brigou com o namorado ou com a namorada, sei lá, e... Saca? Porra, Bruno Nogueira é muito meu amigo, eu gosto muito dele, a gente fez faculdade juntos, mas eu acho que ele vacilou muito naquela matéria do Eddie saca? No jornal. Eu acho que não precisava. Ficou uma matéria ofensiva, não precisava ser assim, não precisava ofender ninguém. E quando eu o entrevistei na comunidade, ele se colocou como um crítico musical. Tipo, o cara tem 23 anos, ser crítico musical... É difícil né cara?

Em SP rolam os projetos do Sesc e também rola muito de você tocar em um lugar por temporada. Aqui em Recife não rola muito disso, você acha que faz falta um cenário como esse na cidade?

Falta. E não tem porque a galera ainda não instigou realmente de fazer, saca? Porque eu acho que funciona temporada, você toda semana... O Eddie fez uma no Rio de Janeiro que foi bacana pra caralho. Um mês tocando toda semana no Odisséia, um lugar lá na Lapa, e toda semana convidando alguém. Então é legal porque muda o show. Então nêgo que quer ver o cara que tá sendo convidado, vai. Então toda semana tem uma galera. Aqui em Recife não há muito esse negócio. E outra, tem muito show de graça. E nêgo não quer pagar pra ver show, o público tá mal acostumado na cidade. Agora tá uma mania aqui que nem no Rio de Janeiro: todo mundo quer entrar nos lugares. Eu nunca vi um lance desse. Seus amigos: “Porra, me arruma um convite aí velho”. Porra, tu é meu amigo, paga, me ajuda, ta ligado? Eu vivo disso, não vou ter aposentadoria, não vou ter nada. Eu vivo disso, pago os lances dos meus filhos com isso, sacou? E daí nego viaja muito nessas coisas de convite e tal. Acha que o cara é escroto. No Rio se você não der convite, você é escroto. Maior filho da puta porque não deu convite pro cara. É uma merda, por isso também que eu voltei do Rio. Mas eu acho que Recife é uma cidade que tá crescendo muito, em termos de cultura e artes em geral. Acho que tá se criando muita opção assim. É uma cidade que já dá pra viver de música. Não dá pra ser rico, não dá pra comprar tudo que você quer.

Então. Você foi pra o sudeste e voltou. Geralmente quem vai, não volta. Por que você voltou?

Além do lado profissional, tem o lado pessoal. Eu tenho dois moleques, morro de saudade dos meus filhos. As mães não vão deixar eles irem morar comigo no Rio ou em São Paulo, entendeu? Mas é normal isso. Eu fui em 99 com o Sheik. Morei um ano no Rio. Morei um tempo em São Paulo. Aí voltei. Aí fui de novo quando eu saí do Sheik. Aí voltei, tá ligado? Eu acho que é bacana ter esses espaços assim. Querendo ou não, a minha cidade é essa sacou? É o lugar que eu posso transformar, que eu conheço todo mundo e tenho condições de agir. Mas não descartando Rio e São Paulo, eu acho que é necessário. O cara lança o disco e tem que ir velho, no mínimo três, cinco, seis meses sacou? Lá, ralando e tal. Mas tem que ir. É bom esse lance de ficar indo e voltando saca? Tipo, a raiz é aqui, as coisas que você escuta, seus amigos que tocam pra caralho tão aqui. É mais fácil contar com a galera aqui, sacou?

Você estará no novo filme de Cláudio Assis como ator. Tem alguma participação na trilha sonora também? E como foi trabalhar como ator?

Eu participei da trilha também. Quer dizer, eu fiz uma letra pra Dida Paes cantar. Ela me pediu uma música porque ela queria cantar numa cena que ia fazer. Aí eu escrevi a letra e Pupillo fez a música. No filme eu participo como ator, até mais do que imaginava. Eu achei que era só aquele cara que passava de um lado pro outro. E foi massa, contracenei com uma galera massa, minha primeira experiência assim, achei bacana. Se pintar de novo eu vou. Engraçado que eu tava conversando com Caio Blat e ele “Pô, vou te botar numa novela”. Eu disse: “Não velho, só não faça isso. Por favor, tudo menos isso”.

Baixe o CD do China gratuitamente aqui!

Fonte: Maria Helena Silveira, correspondente de 'O Dilúvio' (Recife)/ fotos por Fabianne L'Amour.