quinta-feira, 20 de julho de 2006

Jarmeson Lima

JARMESON DE LIMA NASCIMENTO - 27 - Jornalista de profissão e Produtor cultural pelas circunstâncias. Trabalhando no Coquetel Molotov e em seus projetos (revista, rádio, zine, site, shows, festival) em prol da música local, regional, nacional, mundial e universal.

*Essa entrevista foi concebida via msn.

China: Tu conhece algum outro Jarmeson?

Jarmeson: Com esse nome, com exatamente todas as letras nos devidos lugares ainda não. A galera confunde muito. Até nem ligo tanto quando falam. Só fico com agonia quando sai escrito. Inclusive deve haver um cara de nome parecido que recebe meus emails quando o pessoal manda errado.

C: Tu me disse que era jornalista, mas chegasse a trabalhar com isso? Escrevesse para algum lugar?

J: Já sim. Afinal, jornalista hoje em dia faz mais coisas do que trabalhar só em jornal. Já estive em assessoria, em ONG, em portal de internet, em comunicação empresarial. E nesses lugares acabava fazendo o básico e um pouco mais. Escrevia coisas de comunicação interna e assessoria. Às vezes tirava foto também. E principalmente ficava cuidando da parte de internet desses lugares, atualizando os sites.
E sem falar que muitas pautas que escrevi e releases que mandei pra jornais e sites, acabaram saindo quase que 90% iguais aos que tinha feito. Então, acaba que também escrevi indiretamente pra jornal também.

C: É verdade, os jornalistas andam muito preguiçosos. Mas são bem atenciosos com as coisas do cocquetel molotov. Sempre sai matéria bacana lá. Vai ver é porque você já manda a nota pronta.

J: Nem tanto. É que (modéstia à parte) alguns dos textos que a gente escreve, escreve com mais cuidado, tem mais tempo pra escrever sobre um assunto que entende e quando sai, sai com uma forma mais cheia de conteúdo. Aí quando a pessoa recebe, não tem muito o que fazer, além de editar, e isso facilita o trabalho do jornalista, afinal.

C: Bela tática.

J: Até porque como trabalho com isso, sei exatamente como funciona.

C: Porque o cocquetel molotv virou um conglomerado de coisas? Não seria mais fácil concentrar só em uma?

J: É porque hoje é um aglomerado de coisas. No começo era uma só coisa. Era um programa de rádio, na Universitária AM. Só que a gente foi vendo que não era suficiente. Porque uma coisa puxa a outra e quando a gente percebe, tem mais de 5 projetos rolando ao mesmo tempo. Se for parar pra ver, uma coisa complementa a outra e ajuda a gente a divulgar melhor o trabalho da galera.
Quando a gente começou no programa de rádio, em 2001, nenhuma rádio tocava o que hoje é normal ouvir por aí.

C: É muito bom ter o controle de tudo! Vocês se sentem um pouco assim? Domadores da cena atual?
J: Só falta grana e mais gente.
Tá longe ainda. É como o caso do artista que tem disco lançado e que recebe elogio da crítica, mas que não é sucesso de público e vice-versa. Da mesma forma que tem quem nos ajude a trabalhar e gente que não aceita que exista mais pessoas na sua mesma área. E estamos ainda há pouco tempo nesse "mercado" cultural. As empresas, que são e que deveriam apoiar mais a cultura, quase nunca tem quem entenda do assunto. Parece que não lêem jornal e quando a gente se dirige a uma empresa pra falar dos projetos, temos sempre que repetir tudo.

C: Mas tu tem noção de que o público dos eventos do coquetel molotov é restrito, né?
Digo, interessa a um publico x.

J: Mas aí é que está, o que é esse público? Quem é esse público? Eu não sei rotular o público dos projetos do Coquetel Molotov. Vê só, no festival No Ar 2004, quando veio o Teenage Fanclub, tinha tanto gente mais velha que queria ver a banda, quanto ainda tinha o público jovem (considerado "indie") que queria ver as outras bandas também. Ainda assim, esse lance de público é relativo, porque a gente trabalha com música. Se o estilo é conhecido ou não, se o ritmo é contagiante ou não, é apenas uma questão de fazer com que as pessoas passem a conhecer essa música.
Pois é. A maioria das pessoas não quer ouvir nada novo. Se acostumou muito ao que já existe e ao que chega pronto no colo delas.
E quando vejo que tem quem se interesse em ir atrás de coisas novas, isso é ótimo. Digamos que o público do coquetel é todo aquele que gosta de descobrir novidades. Seja em que estilo musical for.

C: Mas o que impera no festival e em quase todas as coisas que vocês fazem é a musica, digamos assim como os jornalistas, indie.

J: Exato. É uma coisa que cada um de nós gosta. Gostamos muito de ouvir música e tal. Cada uma das meninas tem um gosto parecido e ao mesmo tempo diferente, que permite que a gente chegue pra interferir e debater sobre o que é legal ou não.
Por isso é que o festival acontece num teatro. Para as pessoas se concentrarem na música, prestar atenção nos detalhes, na acústica e sentir mais do que ir a um show por aí e se preocupar com a bebida e com a galera. Tudo bem que isso é massa. Eu saio de casa na maioria das vezes por conta disso. Mas isso desvia sua atenção do que é primordial num caso desses. Você está ali por conta da banda e não por conta da bebida. Beber dá pra beber em qualquer lugar e qualquer hora. Um show do Berg Sans Nipple em Recife é algo único. Um evento que quem perdeu não sabe quando verá de novo e se verá um dia. Deixou de aproveitar uma experiência única.

C: Acho bacana ser em teatro. Gosto muito de tocar em esquemas assim. Quem senta ali pra ver, é por que tá afim daquilo.

J: É, dá para apreciar melhor o som por conta da acústica. Afinal, o público quer qualidade.

C: Cara, só tem tu de homem no coquetel. É difícil trabalhar com tanta mulher? Se bem que várias pessoas invejam seu posto...hahahahahahaha.
J: Ah, sempre é difícil. Trabalhei em vários lugares em que eu era minoria masculina. Mas independente disso, cada uma das meninas tem um humor próprio e um jeito diferente de trabalhar. Acabei me acostumando. Afinal, antes de tudo, somos todos uma grande família. Meninas, amo vocês!

C: Tu curtiu o movimento mangue?

J: E então! Estive lá acompanhando há doze anos atrás toda essa cena. Fui ao memorável show de Chico Science & Nação Zumbi no Circo Maluco Beleza, no APR de 94, ou seria 95? Foi o que teve duas noites, sendo a primeira com Gabriel, o Pensador. Fui a vários shows do Mundo Livre, do Mestre Ambrósio e de muita gente. Tenho inclusive gravado uns especiais de TV que passaram sobre o mangue nessa época. Hoje em dia dá pra assistir e ver como algumas coisas ficaram datadas e como outras permanecem boas. Só que o que estragou tudo isso foi o oportunismo da galera que quis pegar carona na "fórmula" guitarra + alfaia. E acabou desacreditando a tudo e todos.

C: É verdade, a quantidade de maracatus também aumentou bastante. Maracatus do baque atravessado.

J: Mas hoje dá para ver com esse distanciamento crítico o que acabou sendo tudo isso de uma forma melhor. Inclusive minha monografia da pós-graduação analisou um pouco disso tudo em Recife.

C: E qual foi a conclusão?

J: Tem muitas conclusões na verdade. A primeira é que de tanto baterem nessa tecla de "pernambucanidade", tanto pela imprensa, quanto pelos "oportunistas", boa parte do público se tornou um pouco radical. E isso dá para sentir até hoje um pouco disso. Você enxerga esse radicalismo em coisas como ver como vi aqui mesmo no orkut, na comunidade, um pessoal falar que banda que canta em inglês é uma merda sem nunca ter ouvido ou prestado atenção. Guiam-se apenas por uns estereótipos e esquecem de algumas coisas como:
1- A música é universal.
2 - O idioma é um instrumento na música (se você canta em português, espanhol ou inglês) isso tem a ver com o que a pessoa quer na música;
3 - Liberdade artística de criação.
4 - Querem tanto que as músicas tenham mensagem, então por que não questionam a mensagem das letras de outros grupos que cantam em português também?

C: Praticamente um desabafo.

J: E nem é um desabafo meu. É pelo que mais ou menos eu sei que vão falar, até porque hoje em dia rola tanto esse estereótipo de "indie" e ninguém sabe mais do que está falando. Esse é um conceito que ficou tão batido, que cada um tem uma concepção diferente.
Pelo contrário. Basta as pessoas olharem os playlists do programa de rádio, que estão no site e ver que tem espaço pra todo mundo. A questão é que, por exemplo, a gente trabalha com critérios pessoais e de qualidade, claro. Não dá para tocar a banda de um cara só porque ele pede ou porque ele acha que é boa. Se fosse assim, a gente estaria enganando a ele próprio e a nós mesmos. Sem falar que existem mais produtores na cidade que trabalham com estilos e bandas que estão mais a fim. E a gente quer dar espaço justamente a bandas que a gente curte e que tem uma proposta diferente, mas diferente do que já existe por aqui. Não que a mistura de ritmos não possa mais ser original, mas é que ainda tem muitas bandas que a gente vai descobrindo que tem coisas para mostrar.

C: Mas nos festivais, que eu me lembre não entrou nada assim, mais misturado.

J: Mas basta ver pelo outro lado. Quais outros produtores aqui trabalham com bandas de estilo experimental, eletrônico, noise, inclassificável?

C: Ok, Jarmeson, você venceu! Falou tudo.

J: O mellotrons existe há quase dez anos, e nunca ninguém quis dar uma chance para eles tocarem num festival grande. Na época do Coquetel Molotov Independente I, em 2004, antes do Microfonia, o Mellotrons foi capa do Caderno C. E foi o mesmo evento que fizemos que também revelou o Volver, que meses depois ganhou o microfonia.
Tipo, todo mundo diz que ajuda e que dá apoio às bandas, mas ainda assim rola essa barreira. Esse preconceito com o novo, sabe.

C: Mas a música indie não é nova, isso já se fazia antes mesmo do mangue beat acontecer, só que tinha outro nome.

J: Exatamente! Supersoniques e Dreadful Boys, por exemplo, eram bandas que poderiam ser consideradas "indie" hoje em dia, mas que na época, por todos serem amigos e por tocarem sempre juntos com quem era "mangue", não rolava esse preconceito. Mas hoje, digamos que os produtores não topam muito arriscar essa mistura de público. Mas se for ver, muitas das bandas "indies" atuais tem bastante afinidade sonora com as que já estão há mais tempo por aí. Sem falar que é aquele rótulo e discussão que a gente sabe que só existe na cabeça das pessoas.

C: O que tu anda ouvindo?

J: Vejamos, baixei o disco novo do Stereolab, mas ainda não ouvi tudo. Tô ouvindo uma coletânea chamada "Electro Breakdance". Também uma banda canadense muito boa: controller.controller. Além do disco do Profiterolis, umas coisas de João Donato e o disco udigrudi de Marconi Notaro no Sub Reino dos Metazoários. Não vale dizer que tudo isso é muito indie. Quem ouvir isso e dizer que não gostou, que atire o primeiro vinil!

C: Acho esse papo de indie é uma grande furada, acho mais é que as bandas precisam unir forças, criar circuitos.

J: É um rótulo que o pessoal da imprensa gostou de usar. Mas não foi culpa nossa. Em nenhum release que mandamos, usamos até hoje essa palavra, Só quando é para tirar onda. Aí digo que é "off-mangue", coisa assim. Só para perceberem do que se trata. Afinal, é difícil pra um jornal ou revista que tem problema de espaço escrever sempre "as novas bandas independentes do recife". É mais curto escrever simplesmente "banda indie”.

C: Mas esse papo de off - mangue nunca deu problemas pra tu não?

J: Acho que dá problema pra quem interpreta mal. Mas é igual ao que acontece na maioria das vezes. Quem mais critica e fala mal é quem não entende ou sabe o que fazemos. Esse "conceito" é tão somente um prefixo para designar quem tá "on" e quem tá "off". Ao invés de "off", poderia ser "pós-mangue". Mas aí alguém já veio antes e falou que o mombojó e bonsucesso são "pós-mangue". É mais fácil explicar a quem tá de fora dessa forma. Afinal, nem todo jornalista de fora do Recife sabe que existem bandas de metal, rap, emo, pop ou shoegazer na cidade. Todos acham que só existe mangue. E daí a ter que explicar toda essa trajetória, o tempo passa e o cara fica mais perdido do que tudo.

C: Acho que o conceito mangue é muito vago. O mundo livre e a nação zumbi fazem sons completamente diferentes. Nunca foi um esquema só musical, era um lance de idéias, uma sacada.

J: Pois é. É coisa da época. Do lance de união e de chamar a atenção de uma cidade que só conhecia recifolia, carnaval e são joão. Foi incrível isso. Por mais mercadológico que isso depois tenha se tornado, a ponto de fugir ao controle de zero4 e do pessoal da nação, se não fosse o manguebeat, o mercado musical da cidade estaria estagnado. E isso deu um impulso enorme para que hoje existissem técnicos, estúdios e gente que trabalhasse com rock no recife. Senão, a cidade acabaria igual a outras capitais daqui do nordeste, que mesmo com ótimas bandas, não conseguem se projetar fora como cena.
E (momento "sem bairrismo") Recife tem a maior expressão e respaldo musical em termos de nordeste. Não digo, nacional, porque aí seria demais, né!

C: Tem algum perigo de uma banda on - mangue tocar no festival?

J: Depende. O que é, afinal, ser mangue?


Fonte: Comunidade Que conversa é essa?! do China em 13.4.2006.